Num desabafo, o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, toca num vespeiro que tem agitado reuniões em Brasília sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, na qual a reciclagem das embalagens — valiosa fatia de 30% do lixo doméstico brasileiro — está no centro das discussões. A polêmica sobre a responsabilidade das empresas nesse processo é o tema da sexta reportagem da série “Desleixo insustentável”.
— O que me causa estranheza é que as mesmas multinacionais, de diversas áreas, que nos países europeus sustentam um modelo eficiente de reciclagem das embalagens, aqui resistem, esbravejam. Sabem como funciona um sistema de sucesso, mas não querem colocá-lo em prática no Brasil — afirma Minc.
A Secretaria estadual do Ambiente já tem um plano piloto com base na concepção de reciclagem europeia. Ele será testado em cidades da Região Serrana, como Petrópolis e Três Rios, e será baseado no modelo de Portugal, denominado Ponto Verde. A ideia é iniciá-lo ainda no segundo semestre deste ano.
O modelo português não é uma ação isolada: em toda a Europa, 30 países têm sistemas parecidos, que garantem o retorno das embalagens ao início do ciclo, como matéria-prima. Chamado de Ponto Verde, o sistema assegura o rastreamento de toda embalagem colocada no mercado. Portugal recuperou, em 2011, 57% desses materiais. Cumpriu a meta e livrou-se de pesadas multas da União Europeia.
Adoção de modelo português divide indústrias
No Brasil, a discussão entrou na agenda pública com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305, em 2010. O texto estabelece princípios praticados na Europa há 20 anos. Quem gera um produto deve se responsabilizar pelo seu descarte adequado.
Para o secretário nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Nabil Bonduki, as empresas não têm como fugir desta responsabilidade:
— Isso está previsto na nova lei. A questão, que ainda está distante de um consenso, é como este sistema será estruturado — afirma Bonduki.
Na última terça-feira, numa sala do Ministério do Meio Ambiente, a reunião de setores da indústria que debatem o assunto terminou em impasse. De um lado, o Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE — entidade que congrega pesos-pesados como Coca-Cola, Ambev e Nestlé. Do outro, algumas empresas, capitaneadas pela indústria do vidro, defendem a aplicação do modelo europeu de logística reversa (reaproveitamento das embalagens).
Presidente do Cempre, Victor Bicca, explica, por e-mail, o ponto de vista da entidade:
“O melhor modelo é o brasileiro, que hoje inspira países da América Latina, África e Ásia e foi reconhecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) como case de sucesso do tripé da sustentabilidade: econômico, ambiental e social. Ao longo dos últimos 20 anos, a indústria investiu muito na cadeia de reciclagem de plásticos, papel/papelão, longa-vida, alumínio e aço. Estes materiais já possuem logística reversa consolidada com índices altos de retorno à cadeia produtiva”, escreveu Bicca. “Precisamos, no entanto, melhorar muito nos aspectos tributários e fiscais que ainda empurram grande parte do setor para a informalidade. Por fim, devemos reduzir a intermediação no comércio de recicláveis e não ampliá-la”.
Bicca ressaltou ainda que as empresas devem apoiar as cooperativas “como forma de exercer sua responsabilidade pós-consumo, como prevê a lei 12.305 em seu artigo 33″ (que diz que as empresas podem atuar em parceria com cooperativas de catadores).
— Alguns setores querem manter o modelo semiescravagista da reciclagem — rebate Carlos Silva, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais -ABRELPE. — Os índices de reciclagem são pífios. Nós queremos um modelo profissionalizado, com inclusão dos catadores. Eles devem ser empreendedores do setor de reciclagem.
Minc também contesta o que hoje se faz no Brasil:
— Se fosse eficiente, eu não teria retirado toneladas de garrafas PET dos rios. Hoje mesmo (ontem, Dia Mundial da Água), encontramos imensa quantidade de embalagem nas praias cariocas. O Brasil perde R$ 8 bilhões ao ano por não se reciclar. Isso é custo.
O GLOBO